Uma das distorções doutrinárias mais
difundidas entre o povo de Deus ultimamente é o ensino das “maldições
hereditárias”, conhecido também como “maldição de família” ou “pecado de geração”.
Estes conceitos circulam bastante através da televisão, rádio, literatura e
seminários nas igrejas. Muitos líderes, ministérios e igrejas, antes sólidos e
confiáveis, acabaram sucumbindo a mais esse ensino controvertido e importado
dos Estados Unidos.
Os pregadores da maldição afirmam que
se alguém tem algum problema relacionado com alcoolismo, pornografia,
depressão, adultério, nervosismo, divórcio, diabete, câncer e muitos outros, é
porque algum antepassado viveu aquela situação ou praticou aquele pecado e
transmitiu tal pecado ou maldição a um descendente. A pessoa deve então orar a
Deus a fim de que lhe seja revelado qual é a geração no passado que o está
afetando. Uma vez que se saiba qual, pede-se perdão por aquele antepassado ou
pela geração revelada e o problema estará resolvido, isto é, estará desfeita a
maldição.
Marilyn Hickey, autora
norte-americana e que já esteve várias vezes no Brasil em conferências da
Adhonep (Associação de Homens de Negócios do Evangelho Pleno), promove
constantemente este ensino. Note suas palavras:
Se você ou algum de seus ancestrais deu lugar ao diabo, sua
família poderá estar sob a “Maldição Hereditária”, e esta se transmitirá a seus
filhos. Não permita que sua descendência seja atingida pelo diabo através das maldições
de geração. Os pecados dos pais podem passar de uma a outra geração, e assim
consecutivamente. Há na sua família casos de câncer, pobreza, alcoolismo,
alergia, doenças do coração, perturbações mentais e emocionais, abusos sexuais,
obesidade, adultério’? Estas são algumas das características que fazem parte da
maldição hereditária nas famílias. Contudo, elas podem ser quebradas!
Um dos textos bíblicos mais usados
pelos pregadores da maldição hereditária para defender este ensino é Êxodo
20:4-6: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há
em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as
adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR teu Deus, Deus zeloso,
que visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração
daqueles que me aborrecem, e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me
amam e guardam os meus mandamentos”.
É preciso que se leve em consideração
o assunto do texto aqui citado. De que trata, afinal, tal passagem? Alcoolismo,
pornografia, depressão, ou problemas do gênero? É óbvio que não. O texto fala
de idolatria e não oferece qualquer base para alguém afirmar que herdamos
maldições espirituais de nossos antepassados em qualquer área das dificuldades humanas.
A narrativa do Antigo Testamento nos
informa que sempre que a nação de Israel esteve num relacionamento de amor com
Deus, ela não podia ser amaldiçoada. Vemos a prova disso em Números 23:7, 8,
quando Balaque pediu a Balaão que amaldiçoasse a Israel. A resposta de Balaão
aparece no versículo 23: “Pois contra Jacó não vale encantamento, nem
adivinhação contra Israel”. Por outro lado, sempre que a nação quebrou a
aliança de amor com Deus, ela ficou exposta a maldição, calamidades e
cativeiro.
É verdade que os filhos que repetem
os pecados de seus pais têm toda a possibilidade de colher o que seus pais
colheram. Os pais que vivem no alcoolismo têm grande possibilidade de ter
filhos alcoolatras. Os que vivem blasfemando, ou na imoralidade e vícios, estão
estabelecendo um padrão de comportamento que, com grande probabilidade, será
seguido por seus filhos, pois “aquilo que o homem semear, isso também ceifará”
(Gl 6:7). Isso poderá suceder até que uma geração se arrependa, volte-se para
Deus e entre num relacionamento de amor com ele através de Jesus Cristo. Cessou
aí toda a maldição. Não deve ser esquecido também que o autor da maldição ou
punição é Deus e que ela é a manifestação da sua ira. Note que no final do
versículo cinco do capítulo vinte de Êxodo, a Palavra de Deus declara que a
maldição viria apenas sobre aqueles que aborrecem a Deus, algo que não se passa
com o cristão
A Bíblia ensina uma responsabilidade
individual pelo pecado, como pode ser observado no livro do profeta Ezequiel:
“Veio a mim a palavra do SENHOR,
dizendo: Que tendes vós, vós que, acerca da terra de Israel, proferis este
provérbio, dizendo: Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que
se embotaram? Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais direis este
provérbio em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai,
também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18:1-4).
Seria o mesmo que afirmar nos dias atuais: os pais comeram chocolate e os
dentes dos filhos criaram carie.
O capítulo 18 de Ezequiel dá a
entender que havia se tornado um costume em Israel colocar a culpa dos
fracassos pessoais nos antepassados ou em outros. Isso faz lembrar o que
aconteceu no jardim do Éden, quando, por ocasião da Queda, o homem colocou a
culpa na mulher e a mulher na serpente. Parece ser próprio do ser humano não
admitir seus erros, buscando evasivas para não tratá-los de forma responsável à
luz da Palavra de Deus. Infelizmente, alguns acham mais fácil culpar os
antepassados do que enfrentar suas tentações.
O ensino da maldição de família mais
escraviza do que liberta. Até crentes que há vários anos viviam alegres,
evangelizando, servindo ao Senhor e dando frutos, agora estão preocupados,
deprimidos, pensando que talvez as tentações, as dificuldades e lutas pelas
quais estão passando sejam de fato reflexo de pecados ou do comportamento dos
seus ancestrais.
“Não faz muito tempo, numa grande
igreja pentecostal, um diácono, que havia participado de um desses seminários
para quebra de maldições hereditárias, me procurou para aconselhamento. Tal
irmão encontrava-se confuso e deprimido com as informações que recebera e
queria saber o que a Bíblia tinha a dizer sobre tudo isso. Depois de uns dez
minutos de conversa, ele respirou aliviado. Temos encontrado e ajudado a muitos
outros em situações semelhantes pelos lugares por onde passamos, em diferentes
partes do Brasil.”.
Ora, todo cristão é tentado, de uma
forma ou de outra, uns mais, outros menos. Se um cristão enfrenta problemas em
relação à pornografia, ao alcoolismo, ao adultério, à depressão ou a qualquer
outro aspecto ligado às tentações, os métodos para vencer tais lutas devem ser
bíblicos. O caminho para a vitória tem muito mais a ver com a doutrina da
santificação, com o cultivo da vida espiritual através da oração, do jejum, da
comunhão saudável numa determinada parte do Corpo de Cristo e do contato
constante com a Palavra de Deus. O ensino da quebra de maldições hereditárias
aparece como um atalho mágico e ilusório para substituir a doutrina da
santificação, que é um processo indispensável a ser desenvolvido pelo Espírito
Santo na vida do cristão, exigindo dele autodisciplina e perseverança na fé.