O texto de Isaías 17 tem chamado a atenção. O julgamento
sobre os arameus (sírios) tem destaque nas palavras do grande profeta do século
8 a.C.
“Advertência contra Damasco: Damasco deixará de ser
cidade; e se tornará um monte de ruínas. Suas cidades serão abandonadas; serão
entregues aos rebanhos que ali se deitarão, e ninguém os espantará” (Isaías
17:1,2).
Há diversos textos dos que se referem às nações nos
profetas literários, alguns oráculos merecem destaque maior: Isaías 13-23;
Jeremias 46-51; Ezequiel 25-32; Amós 1.3-2.16; Naum 2-3; Sofonias 2-3;
Habacuque; Obadias e o livro de Jonas. É muito significativo observar a
extensão dedicada às nações pelos profetas. Isso mostra a necessidade de
explicar a realidade da atuação e movimentação dos povos ao redor, e o que isso
significava para Israel. É importante ressaltar que Naum e Jonas dedicam-se ao
tema da destruição de Nínive, capital da Assíria, e o livro de Habacuque
questiona a justiça divina, no caso da invasão neobabilônica no reino do Sul.
A diversidade de nações também merece menção em Isaías e
nos outros profetas. Além das potências que ameaçaram a continuidade de Israel,
a Assíria (Nínive) e a Babilônia, muitas outras nações são relacionadas nesses
oráculos. Entre elas, destacam-se a Filistia; a Fenícia, mais comumente
abordada por suas famosas cidades Tiro e Sidom; o Egito; a Síria (Aram), com o
enfoque muitas vezes em Damasco; e também nações menores e menos poderosas como
Amom, Moabe, Edom, Elam (região da Pérsia) e até tribos árabes. Ainda que
algumas dessas nações não representassem potências militares, elas tinham
outros significados importantes. Algumas, como o Egito, poderiam representar um
refúgio ou um aliado, outras como Moabe e Edom, frequentemente se aproveitavam
das invasões estrangeiras para tirar vantagem dos judaítas e israelitas. Assim,
todo o quadro de nações disponível aos profetas estava sujeito aos desígnios do
Deus de Israel.
Na abordagem das nações, os dois tipos básicos de
oráculos proféticos são a profecia de juízo e a profecia de salvação. A palavra
dura, de juízo, foi em geral dirigida às nações, principalmente em função da
atitude opressora dos grandes impérios do mundo antigo. Nelas há temas
relevantes que merecem atenção:
AS PROFECIAS DE JUÍZO
Destruir a Opressão e Estabelecer a Justiça. Ainda que as
potências do mundo da época fossem, em última instância, controladas por Deus,
a opressão e a maldade teriam que receber a devida retribuição do Deus da
justiça revelado a Israel. Dois exemplos referentes à Assíria e à Babilônia
estão em Naum e Isaías:
“Ai da cidade sanguinária, repleta de fraudes e cheia de
roubos, sempre fazendo as suas vítimas!” (Naum 3:1).
“Você zombará assim do rei da Babilônia: Como chegou ao
fim o opressor! Sua arrogância acabou-se!” (Isaías 14:4).
Crueldade contra Israel-Judá. Como povo da aliança,
Israel é amado por Deus de modo muito especial e peculiar. Deus vai ser
descrito como aquele que tem ciúmes de Israel. “O teu criador é o teu marido”,
registra Isaías 54:5. Por isso, as nações são julgadas por terem ousado tocar
“na menina dos olhos de Deus” (Zacarias 2:8). Amós condena o que os sírios
fizeram com Gileade. Damasco está em vista aqui:
“Assim diz o Senhor: ‘Por três transgressões de Damasco e
ainda mais por quatro, não anularei o castigo. Porque trilhou Gileade com
trilhos de ferro pontudos’” (Amós 1:3).
Crueldade contra Outras Nações. O Deus justo punirá as
nações ímpias não só pelo que fizeram a Israel, mas também pelo que foi feito a
outras nações mais fracas. Conceito surpreendente num ambiente de deuses
exclusivamente nacionalistas. O Deus da aliança também é o Deus universal, que
controla o destino dos povos. Dois exemplos claros desse tipo de julgamento
aparecem nos oráculos de Habacuque e de Amós.
“Porque você saqueou muitas nações, todos os povos que
restaram o saquearão. Pois você derramou muito sangue, e cometeu violência
contra terras, cidades e seus habitantes” (Habacuque 2:8).
“Assim diz o Senhor: ‘Por três transgressões de Moabe, e
ainda mais por quatro, não anularei o castigo. Porque ele queimou até reduzir a
cinzas os ossos do rei de Edom” (Amós 2:1).
Orgulho e Soberba. A arrogância e o sentimento de poder
total, independência completa do Soberano de toda a terra são fortemente
condenados, como se vê na teologia dos salmos. As nações que apresentam esse
perfil terão grande castigo. Um exemplo nítido é o rei de Tiro, descrito em
Ezequiel 28.
“Filho do homem, diga ao governante de Tiro: Assim diz o
Soberano, o Senhor: ‘No orgulho do seu coração você diz: ‘Sou um deus; sento-me
no trono de um deus no coração dos mares’. Mas você é um homem, e não um deus,
embora se considere tão sábio quanto Deus” (Ezequiel 28:2).
Quebra de fraternidade. A lealdade entre irmãos é
fundamental para a manutenção da vida social. Nações irmãs ou parentes de
Israel ou Judá não poderiam ter desprezado seu parentesco por causa de ganância
ou maldade. Também são dignas de grande punição. Esse é o caso de Edom,
descendente de Esaú, irmão de Jacó, condenado em Amós.
“Assim diz o Senhor: ‘Por três transgressões de Edom, e
ainda mais por quatro, não anularei o castigo. Porque com a espada perseguiu
seu irmão, e reprimiu toda a compaixão, mutilando-o furiosamente e perpetuando
para sempre a sua ira, porei fogo em Temã, e as chamas consumirão as fortalezas
de Bozra” (Amós 1:11,12).
Não resta dúvida de que a justiça e a universalidade de
Deus, bem como sua ação redentora na história de Israel são os elementos
condutores na profecia de Isaías e dos demais profetas literários. Para
entender bem o profeta Isaías, é preciso observar bem o contexto de sua época.
Seu ministério se deu entre os anos 740-680 aC. Conforme o texto, Isaías
profetizou nos reinados de “Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá” (1:1).
Seu chamado profético tem início no ano que o rei Uzias (792-740) morreu
(6:1,8). Mas, é possível que ele tenha começado na última década do reinado de
Uzias. Como Isaías menciona a morte de Senaqueribe, rei da Assíria, que morreu
em cerca de 680 aC (Is 37:37,38), ele deve ter vivido além do reinado de
Ezequias. A tradição diz que Isaías foi martirizado no reinado de Manassés.
Acredita-se que a referência “serrados” em Hebreus 11:37 seja uma referência à
morte de Isaías. Como Isaías começou a profetizar por volta de 740 aC, o seu
ministério pode ter sido paralelo aos ministérios de Amós e Oseias em Israel,
bem como o de Miqueias em Judá.
Isaías profetizou num período crucial da história de Judá
e Israel. Os reinos do Norte e do Sul haviam experimentado cerca de meio século
de poder e prosperidade crescentes. Israel, governado por Jeroboão I e outros
seis reis de menor importância, caíra na idolatria; Judá, sob Uzias, Jotão e
Ezequias, manteve lealdade formal a Deus, mas, gradualmente, entrou em declínio
moral e espiritual (3:8-26). Lugares secretos de cultos idólatras eram
tolerados; o rico oprimia o pobre; muitos sacerdotes e profetas eram bêbados e
queriam apenas agradar homens (Is 5:7-12,18- 23; 22:12-14). Estava claro para
Isaías que a aliança registrada por Moisés em Deuteronômios 30:11-20 havia sido
inteiramente violada, que o cativeiro e o julgamento eram inevitáveis para
Judá, assim como para Israel. Isaías entrou em seu ministério aproximadamente
na época da expansão do Império Assírio. Com muito poder bélico e
impetuosidade, a Assíria deu início a suas conquistas ao sul e ao oeste. O
profeta, que percebeu o cenário mundial, viu que o conflito seria iminente e
recebeu direção divina para falar sobre o que estava acontecendo.
Quando lemos Isaías 17, no contexto dos oráculos contra
as nações (13-23), podemos entender o que está acontecendo. A profecia contra
Damasco foi cumprida. A história da conquista da Síria pelos invasores assírios
se cumpriu. Foi no ano 732 aC que o exército de Tiglate-Pileser III destruiu
Damasco. É muito importante observar que isso aconteceu no final da guerra
Siro-efraimita (Is 7), quando tanto Israel (Efraim) quanto a Síria caem diante
do invasor poderoso. Veja no texto como Israel, juntamente com a Síria, também
é julgado e cai na profecia de Isaías 17.
“Efraim deixará de ser uma fortaleza, e Damasco uma
realeza; o remanescente de Arã será como a glória dos israelitas, anuncia o
Senhor dos Exércitos. Naquele dia a glória de Jacó se definhará, e a gordura do
seu corpo se consumirá. Será como quando um ceifeiro junta o trigo e colhe as
espigas com o braço, como quando se apanhamos feixes de trigo no vale de
Refaim” (Isaías 17:3-5).
O texto de Isaías 17 não é uma referência apocalíptica.
Fala de uma profecia cumprida na história de Israel. O julgamento divino se
cumpriu, e seu desfecho foi ainda mais terrível: A Assíria conquistou Samaria
em 722 aC, e o Reino do Norte sucumbiu; conforme as palavras dos profetas de
Deus.