Em combinação com o desejo ardente de ser pastor, é preciso que haja aptidão
para ensinar e certa medida das outras qualidades necessárias ao ofício de instrutor
público. Para provar sua vocação o homem precisa
testá-la com êxito. Não pretendo que na primeira vez que um homem se levantar
para falar, pregue tão bem como Robert Hall em seus últimos tempos. Se a sua
pregação não for pior do que o grande homem fez no início da sua carreira, não
deve ser condenado. Vocês sabem que Robert Hall fracassou
completamente três vezes, e clamava: "Se isto não me humilhar, nada mais
me humilhará". Alguns dos mais nobres oradores não foram dos mais
fluentes nos seus primeiros tempos. Mesmo Cícero no início padecia de voz fraca
e dificuldade de elocução. Contudo, ninguém deve considerar-se
chamado para pregar enquanto não provar que pode falar em público. Claro que
Deus não criou o hipopótamo para voar, e se o leviatã tivesse
forte desejo de subir aos ares com a calhandra, evidentemente seria uma aspiração
insensata, visto que não é dotado de asas. Se um homem for vocacionado para
pregar, será dotado de capacidade em algum grau para falar, capacidade que ele
cultivará e desenvolverá. Se o dom de elocução não existir no início em alguma
medida, não é provável que venha a desenvolver-se.
Ouvi falar de um
cavalheiro que tinha o mais intenso desejo de pregar, e tanto insistiu com o
seu pastor que, depois de múltiplas recusas, conseguiu licença para pregar um
sermão de prova. Essa oportunidade foi o fim da sua importunação, pois, depois de
anunciar o texto, viu-se privado de todas as idéias menos uma, que ele
transmitiu sentidamente,
e em seguida desceu da tribuna: "Meus irmãos", disse ele, "se
algum de vocês pensa que é fácil pregar, aconselho-o a vir até aqui para
perder toda a vaidade."
A prova a que
submetam as suas capacidades revelará a sua deficiência, se vocês não tiverem a
aptidão necessária. Não conheço nada melhor. Devemos dar-nos a nós próprios
uma boa prova nesta questão, ou não poderemos saber com certeza se Deus nos
chamou ou não; e durante a prova, devemos perguntar-nos a nós mesmos muitas
vezes se, de modo geral, podemos alimentar a esperança de edificar outros com os nossos
discursos.
Contudo, devemos
fazer mais do que submeter isso à nossa consciência e ao nosso julgamento, pois
somos juízes
ineptos. Certa classe de irmãos tem grande facilidade para descobrir que tem
sido maravilhosa e divinamente auxiliada em suas declamações. Eu invejaria a
gloriosa liberdade e a confiança própria desses irmãos, se houvesse algum
fundamento para isso. Pois, lastimavelmente, com muita freqüência tenho que deplorar
e lamentar minha falta de sucesso e meus fiascos como orador. Não devemos
confiar muito em nossa própria opinião, mas se pode aprender muito de pessoas judiciosas e de índole
espiritual. De modo nenhum é isto uma lei que deva obrigar a todas as pessoas,
mas ainda assim é um bom e antigo costume em muitas das nossas igrejas rurais,
o jovem que aspira ao ministério pregar perante a igreja. Dificilmente é um
ensaio agradável ao jovem aspirante, e, em muitos casos, mal chega a ser um
exercício edificante para o povo; todavia, pode dar provas de que é um recurso disciplinar
dos mais salutares, e poupa a exposição pública da ignorância excessiva. O
livro de atas da igreja de Arnsby contém o seguinte registro:
Breve relato do
chamamento de Robert Hall Júnior para a obra do ministério, pela
Igreja de Arnsby, 13 de agosto de 1780.
"O referido Robert Hall nasceu em Arnsby em 2 de maio de
1764; desde pequeno foi, não somente sério e dado à oração em secreto antes
mesmo de poder falar com clareza, mas também foi sempre totalmente inclinado à obra do
ministério.
Começou
a compor hinos antes de completar sete anos de idade, e neles revelou sinais de
piedade, de pensamento profundo e de gênio. Entre oito e nove anos fez vários hinos, que foram admirados por muitos,
um dos quais foi publicado na Revista do Evangelho (Gospel Magazine)
aproximadamente na mesma época. Escreveu expondo os seus pensamentos sobre
vários assuntos religiosos e sobre porções seletas da Escritura. Tinha também intensa propensão para os'estudos, e fez
tanto progresso, que o mestre-escola provinciano de quem ele era aluno não pôde
instruí-lo mais. Então foi enviado à escola--internato de Northampton, ficando
aos cuidados do Rev. John Ryland, onde passou cerca de um ano e meio, e
alcançou grande progresso em latim e grego. Em outubro de 1778, foi para a Academia de Bristol, sob os cuidados do Rev. Evans; e, em 13 de agosto de 1780, foi comissionado ao ministério por esta igreja, estando ele com
dezesseis anos e três meses de idade. A
maneira pela qual a igreja chegou a ficar satisfeita com a capacidade dele para
a grande obra foi por ter ele pregado, quando lhe tocou a vez, nas reuniões de
conferências, sobre várias porções da Escritura; nas quais, e na oração, havia
participado por quase quatro anos antes; e, quando em casa, tendo pregado a
pedido dos irmãos muitas vezes nas manhãs do dia do Senhor, para grande
satisfação deles. Portanto, eles pediram calorosamente e unânimes que ele fosse
solenemente separado para o serviço da comunidade. Com efeito, no dia acima
referido, ele foi examinado por seu pai perante a igreja quanto à sua
inclinação, seus motivos e seus fins em vista, com referência ao ministério,
sendo-lhe mostrado igualmente o desejo de que ele fizesse uma declaração dos
seus sentimentos religiosos. Tendo-se feito tudo, para inteira satisfação da igreja,
consagraram-no, pois,
levantando as mãos direitas e com oração solene. Depois o seu pai fez-lhe um discurso baseado em 2 Tm. 2:1:
"Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que há em Cristo Jesus". Sendo-lhe assim confiada a obra
ministerial, pregou de tarde sobre 2 Ts. 1:7-8.
"Que o Senhor o abençoe e lhe conceda grande sucesso!"
Considerável importância deve ser dada ao julgamento
feito por homens e mulheres que vivem perto de Deus, e, na maioria dos casos, o
seu veredicto não será errôneo. Contudo, este recurso não é final nem infalível, e
deve ser avaliado somente em proporção à inteligência e à
piedade das pessoas consultadas. Lembro-me bem do empenho com que uma piedosa
matrona cristã me dissuadiu de pregar. Esforcei-me para avaliar a impotância da
opinião dela com simplicidade e paciência — opinião essa sobrepujada, porém,
pelo julgamento emitido por pessoas de maior experiência. Os jovens em dúvida
devem fazer-se acompanhar dos seus mais sábios amigos quando vão à igreja rural
ou ao salão de cultos da vila e tentam transmitir a Palavra. Já notei — e o meu
amigo Rogers observou a mesma coisa — que vocês, cavalheiros, estudantes, como
corpo estudantil, no julgamento que fazem uns dos outros raramente erram, se é
que erram alguma vez. Raramente houve um caso, tomada a instituição de modo
global, em que a opinião geral da escola toda sobre um irmão foi errada. Os
homens não são tão incapazes de formar opinião uns dos outros, como às vezes se
pensa. Reunindo-se como o fazem em classe, nas reuniões de oração, nas
conversas e nas várias atividades religiosas, vocês se avaliam uns aos outros;
e o prudente não se apressará a desprezar o veredicto da casa.
Este ponto não estará
completo se eu não acrescentar que a simples capacidade para edificar e a aptidão para
ensinar não bastam. São necessários outros talentos para completar a
personalidade do pastor. Critério sadio e sólida experiência devem instruí-lo;
maneiras gentis e qualidades amáveis devem governá-lo; firmeza e coragem devem
ser manifestas; e não devem faltar ternura e simpatia. Os dons administrativos
para governar bem são condições tão necessárias como os dons instrutivos, para
ensinar bem. Vocês devem ser aptos para dirigir, devem estar preparados para
agüentar, e devem ser capazes de perseverar. Quanto à graça, vocês devem estar
cabeça e ombros acima do restante do povo, capazes de ser seu pai e seu
conselheiro. Leiam cuidadosamente as qualificações do bispo, registradas em 1 Tm. 3:2-7 e Tt. 1:6-9.
Se esses dons e graças não estiverem em vocês, e com abundância, é
possível que tenham bom êxito como evangelistas, mas como pastores não terão
nenhum valor.