GÊNESIS 3.24
Tenho
saudades da Inocência... Hoje fui até lá, não sei bem o por que. Não disse nada a Eva. Já fazia tanto tempo que não ia...
No
princípio passávamos por lá muitas vezes, mas a luz da espada flamejante nos
mantinha distantes e ela chorava.
Depois paramos de ir. Não fazia
mais sentido.
Mas hoje
fui lá... Está tão mudado...
O mato
cresceu tanto que há uma verdadeira floresta onde antes havia só um belo
jardim. Logo estará perdido. Bem, acho
que para nós está perdido há muito tempo...
Creio que
queria recordar. Lembrar à liberdade, a paz, a inocência, a comunhão. Tudo
parece hoje tão distante que nem me lembro mais como era. Depois que Abel
morreu, ficou ainda mais difícil. O erro de tudo aquilo parecia pesar ainda
sobre nossas cabeças, como se a culpa no fundo fosse nossa. Não sei se é isso
que os pais devem sentir ao ver os erros dos filhos, mas é o que sentimos.
Então Caim foi
embora. Agora raramente ouvimos falar dele. É verdade que outro dia um filho de
seu filho passou por aqui. Estranho, é homem crescido. Estou ficando velho e
cansado e nem sabia.
Tenho
saudade! Saudade da força, da vitalidade que tinha com Deus no jardim. Ele nos
perdoou, mas as consequências são terríveis e mesmo o perdão não as pode
apagar.
Os
sacrifícios aliviam, a esperança traz algum consolo, mas a comunhão nunca mais
será a mesma e meu coração parece não ter parado de murchar desde aquele dia
fatídico. Maldito dia, terrível dia. Tanto engano e mentira!
A serpente
ainda vai aparecendo de vez em quando. Já não fala, mas o veneno está lá. Tenho
matado algumas, mas parecem renascer com facilidade e sua malícia não diminuiu
nada com o tempo. Como fomos enganados!
"Conhecereis
a verdade", disse ela. Sim, mas não explicou como iríamos lidar com ela.
"Sabereis a diferença entre o bem e o mal", sim, mas quem disse que
teríamos a força para escolher o certo?
Sereis como Deus! Ah! Como se isso fosse possível... como se isso
fosse desejável...
Quanto mais
o tempo passa, mais parece grande a tolice daquele dia, mais parece incrível
que tenhamos caído tão facilmente. Mas, a verdade é que caímos. E o peso dessa
escolha vai manchar meu nome por toda a eternidade. Multidões de gerações me
amaldiçoarão ao saber como fui enganado. Ninguém estava tão habilitado a
resistir... e é isso o que mais me dói. Ter caído sem necessidade. Ter caído
podendo ter ficado de pé.
Tenho
saudades da inocência, do riso alegre e sem malícia que enchia o rosto de minha
mulher, dos sonhos tão doces à noite, do trabalho tão recompensador, da
natureza tão amiga. Saudades da sensação de pureza e santidade que me enchia
cada vez que o Criador vinha nos visitar.
Aqueles
momentos eram tão plenos. Sua presença
era a razão de toda a existência, o motivo da vida, a causa de nos sentirmos
felizes. Não se pode mesmo viver sem a Sua presença. Simplesmente tudo deixa de
fazer sentido.
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